Em 1892, Ellen White escreveu, da Austrália, uma carta ao Irmão Olsen, então presidente da Conferência Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Trata-se do manuscrito 27, que se encontra em Cartas e Manuscritos Vol. 7 e tem por título "The Crisis Imminent" (A Crise Iminente).
A Sra. White inicia a carta expressando sua preocupação com o baixo padrão de piedade do professo povo de Deus e clama por um exame de consciência. Em seguida, chama a atenção do Pr. Olsen para os evidentes eventos proféticos da época: a apostasia do protestantismo, sua união com o papado, o casamento entre Igreja e Estado e o culminante decreto dominical. A Irmã White descreve esses acontecimentos como uma inabalável disposição da parte de Deus de encerrar o estado de coisas na Terra. Ou, em outras palavras, trata-se dos esforços de Deus para resolver o Grande Conflito.
Chegamos a esse trecho da carta sem grandes surpresas: todos sabemos que o baixo padrão de piedade é uma característica marcante da Igreja de Laodicéia e que os eventos proféticos de Apocalipse 13, em especial uma forte disposição política para o cerceamento da liberdade religiosa, estavam tomando forma no momento em que a Irmã White escrevia. O quinto parágrafo da carta, entretanto, pode causar alguma estranheza. É para esse trecho que eu gostaria de chamar a atenção. Primeiramente, reproduzo aqui o texto original em inglês:
Em que uma possível tradução seria:
"Todo o céu é representado para mim observando o desenrolar dos eventos. Uma crise deve ser revelada no grande e prolongado conflito no governo de Deus na Terra. Algo grande e decisivo está para acontecer, e muito brevemente. Se houver demora, o caráter de Deus e seu trono ficarão comprometidos. O arsenal do céu está aberto; todo o universo de Deus e seus equipamentos estão prontos. Uma palavra tem justiça a ser proferida, e haverá representações terríveis na terra da ira de Deus. Haverá vozes e trovões e relâmpagos e terremotos e desolação universal. Cada movimento no universo do céu deve preparar o mundo para a grande crise."
A parte que gostaria de destacar aqui é:
"Algo grande e decisivo está para acontecer, e muito brevemente. Se houver demora, o caráter de Deus e Seu trono serão comprometidos."
Pergunto: como é possível o trono de Deus ser comprometido? A primeira intuição que logo nos vem à mente nos diz que o comprometimento do trono de Deus é algo simplesmente absurdo e impossível, pois Deus, em sua onipotência, tem total poder sobre Seu próprio trono, que Seu reino é eterno e que nada pode abalá-Lo. Creio que a grande maioria dos adventistas hoje responderia a carta da Irmã White nos seguintes termos:
"Cara Sra. White, entendo que até pode ser que o Trono de Deus esteja ameaçado, mas o que isso tem a ver com o Pr. Olsen, contigo ou comigo? Deus tem total poder sobre Seu próprio trono e não demorará para fazer com que se cumpram as profecias de Apocalipse 13 (união Igreja-Estado) e Apocalipse 14 (pregação do evangelho eterno). A parte do "se houver demora" significa apenas que o trono de Deus poderia talvez ficar ameaçado se Ele demorasse em cumprir as profecias, mas de modo algum Ele permitirá que isso aconteça. Muito pelo contrário, Ele fará com que as profecias se cumpram rapidamente, desse modo preservando Seu próprio trono. Não fique tão preocupada com isso, pois Deus está no comando de tudo. Ele agirá no Seu tempo e tudo terminará bem."
Será que foi essa a resposta da Igreja à época? De que modo a impressionante mensagem da "Crise Iminente" foi recebida pelos pioneiros adventistas? Ela passou em branco ou foi ecoada? Felizmente, temos as respostas a essas perguntas. E elas são esclarecedoras.
REAÇÕES À MENSAGEM DA "CRISE IMINENTE"
A igreja não estava cega quanto às revelações do Dom de Profecia. O alerta da "Crise Iminente" não passou despercebido por entre os atentos pioneiros, que pareciam muito mais sensíveis do que nós para perceber as várias nuances de solenidade nas mensagens dadas por Deus.
Com efeito, o testemunho da "Crise Iminente" não apenas foi escutado, acolhido e compreendido, mas chegou até mesmo à conferência geral do ano seguinte, 1893. Naquela solene ocasião, um pregador, ao discorrer sobre os acontecimentos de Apocalipse 13, declarou:
Em que uma tradução seria:
"Estamos comprometidos com o Senhor e perante o mundo: que dependemos de Deus; que Ele ama seu povo; que Ele se manifesta em favor daqueles cujos corações estão voltados para Ele. Irmãos, há também aquela palavra terrível que toca aquele mesmo pensamento que nos veio da Austrália. Está no depoimento intitulado “A crise iminente”. O que isso quer dizer? - “Algo grande e decisivo está para acontecer, e logo cedo. Se houver demora, o caráter de Deus e seu trono serão comprometidos.” Irmãos, por nossa atitude descuidada e indiferente, estamos colocando o trono de Deus em perigo. Por que Ele não pode trabalhar? Deus está pronto. Os obreiros de Deus não estão prontos? Mas se houver algum atraso, "o caráter de Deus e seu trono ficam comprometidos". É possível que estejamos prestes a arriscar a honra do trono de Deus? Irmãos, pelo amor do Senhor e do Seu trono, saiamos do caminho. Vamos sair do caminho. A única maneira de sair do caminho de Deus é fugir para Ele. Essa é a única maneira de sair do seu caminho e é para lá que ele nos chama agora."
Existe alguma semelhança entre esse trecho de sermão e a afirmação de que Deus agirá no Seu tempo para retirar qualquer possível ameaça a Si mesmo? Não há nenhuma semelhança. Há como harmonizar o significado que foi dado à "Crise Iminente" na conferência geral de 1893 com o significado que se dá a ela hoje, se é que ainda se dá a ela algum significado? Não há como. Percebam o que foi retomado no sermão da conferência geral:
“Algo grande e decisivo está para acontecer, e logo cedo. Se houver demora, o caráter de Deus e seu trono serão comprometidos.”
E o modo com que a mensagem foi interpretada:
"Irmãos, por nossa atitude descuidada e indiferente, estamos colocando o trono de Deus em perigo."
Portanto, quando a carta da Sra. White ao Irmão Olsen chegou ao conhecimento da Igreja, não houve entre os pioneiros o entendimento de que o intuito de Deus ali era comunicar que estava prestes a agir para evitar o comprometimento de Seu próprio trono. Antes, os pioneiros da Igreja entenderam que se tratava de um alerta ao povo adventista e um chamado para a ação, pois o que realmente estava causando essa ameaça não era a ação ou inação de Deus, mas a ação ou inação de Seu professo povo, que não pode ser obrigado a nada.
Ainda assim, alguém poderá insistir que a mensagem da "Crise Iminente" estava sim dizendo que o próprio Deus logo agiria para retirar a ameaça ao Seu trono e que isso nenhuma relação possuía com a obra da Igreja. Para sustentar esse ponto, poderá argumentar que a interpretação levantada na conferência geral foi falsa e que não estava em sintonia com o que Deus realmente quis comunicar a Seu povo por meio da Irmã Ellen White.
Felizmente, uma única citação será o bastante para demonstrar que a Sra. White endossou a mensagem pregada na conferência geral de 1893, a qual lemos há pouco. Em 1908, ela escreveu ao próprio pregador daquele sermão:
“Tenho sido instruída a usar aqueles seus discursos impressos nos Boletins da Conferência Geral de 1893 e 1897, os quais contêm fortes argumentos acerca da legitimidade dos Testemunhos, e que respaldam o dom de profecia entre nós. Foi-me mostrado que muitos seriam ajudados por esses artigos, e especialmente os recém-chegados à fé, que não têm sido familiarizados com nossa história como um povo. Será uma bênção a você ler novamente esses argumentos que foram preparados pelo Espírito Santo.” (Manuscript Releases, Vol. 9, p. 278; Carta 230, 1908, escrito em 25 de julho).
De qualquer modo, passada a conferência geral, a reação à mensagem da "Crise Iminente" seguiu tomando forma. A carta da Irmã Ellen White ao Irmão Olsen foi novamente citada mais tarde naquele ano, dessa vez em um artigo no periódico adventista The Home Missionary. Mais uma vez, o tema era o contexto dos eventos proféticos de Apocalipse 13. O trecho do artigo que evoca a "Crise Iminente" é esse:
Uma possível tradução desse texto seria:
"Pois bem, vendo que tanto a besta quanto sua imagem estão traçando a linha que é o objetivo expresso da mensagem do terceiro anjo traçar, e estão fazendo a distinção que é o objetivo expresso da mensagem do terceiro anjo fazer, não é hora de que as pessoas a quem esta mensagem maravilhosa foi confiada sejam batizadas no Espírito, e revestidas com o poder desta mensagem gloriosa, que a própria mensagem faça o trabalho designado a ela, e tenha a glória e a honra e a distinção e o poder que lhe pertence? Deverá o grande inimigo desta mensagem e de toda justiça fazer mais para marcar a distinção entre os dois grandes lados neste grande conflito do que a própria mensagem pode fazer? Deverá a besta e sua imagem fazer mais em fazer a distinção entre seus adoradores e os adoradores de Deus, do que as pessoas a quem esta terrível mensagem foi confiada? Visto que Satanás, a besta e sua imagem estão agora fazendo o próprio trabalho a esse respeito, que é o ofício legítimo da própria mensagem do terceiro anjo fazer, e uma vez que esta mensagem não tem permissão para fazer o trabalho a ela designado por causa da cegueira e negligência das pessoas que professam estar dando essa mensagem, por quanto tempo mais será possível ao Senhor esperar por este povo? Oh, este povo algum dia acordará? Será que eles despertarão para a obra poderosa que está acontecendo diante de nossos olhos? Quase dois anos atrás, veio esta palavra solene: “Se houver demora, o caráter de Deus e Seu trono serão comprometidos.” Será que o caráter de Deus e seu trono serão colocados ainda mais em risco, serão eles realmente comprometidos, em esperar mais tempo por um povo que não acordará nem virá em socorro do Senhor contra os poderosos?"
Como é fácil de notar, o texto parece desenvolver ainda mais o sermão apresentado meses antes na conferência geral. O entendimento dos pioneiros, nesse período de pouco menos de um ano, caminhou na direção da ideia de que a ameaça ao trono de Deus, a que o testemunho da "Crise Iminente" fazia referência, estava sendo causada por um povo cego, negligente e sonolento e não de modo premeditado pelo próprio Deus.
Por fim, o próprio Pr. Olsen, na conferência geral de 1895, referenciou a carta recebida três anos antes:
Em que podemos traduzir do seguinte modo:
"(...) perguntem-se individualmente: Qual é a minha condição hoje? O pecado está no caminho? Então confesse-o e ponha-o de lado, e abra seu coração para a doce influência do Espírito Santo. Os seguintes extratos do Espírito de Profecia são dignos de nosso estudo cuidadoso neste momento: “Todo o céu é representado para mim observando o desenrolar dos eventos. Uma crise deve ser revelada no grande e prolongado conflito no governo de Deus na Terra. Algo grande e decisivo está para acontecer, e isso bem cedo. Se houver atraso, o caráter de Deus e seu trono serão comprometidos. O arsenal do céu está aberto; todo o universo de Deus e Seus equipamentos estão prontos (...)"."
Ainda que essas palavras não sejam tão claras quanto às do sermão da conferência geral anterior e do artigo no Home Missionary, no que diz respeito à responsabilidade do professo povo de Deus diante do comprometimento de Seu trono, não é necessário nenhum esforço sobrenatural para perceber que a interpretação à mensagem da "Crise Iminente" permaneceu a mesma. A pergunta "O pecado está no caminho?" é suficiente para entendermos quem o Pr. Olsen estava responsabilizando.
POR QUE A MENSAGEM DA CRISE IMINENTE NOS SOA TÃO ABSURDA?
A grande impressão que tenho ao ler o testemunho da "Crise Iminente" e os impactos que ela causou é que nós, adventistas do sétimo dia, que distribuímos dezenas de livros O Grande Conflito para amigos, parentes, colegas de trabalho, vizinhos e conhecidos todos os anos, ainda não fazemos, não queremos fazer ou temos medo de fazer a menor ideia do que é o Grande Conflito e de todas as implicações que ele traz.
Temos sido ensinados que "queira você ou não queira, Jesus vai voltar", que "se nós não pregarmos, outros pregarão em nosso lugar", que "se não clamarmos, as pedras clamarão", que "os anjos farão a obra, se necessário", que "Deus não permitirá que leve mais tempo do que aquele que foi determinado". Todas essas frases buscam afirmar, no final das contas, que a Igreja não pode falhar ou que, se falhar, ainda assim tudo terminará bem.
Creio que a maioria dos adventistas que assim como eu foram criados no meio adventista cresceram acostumados com a ideia de responsabilidade individual em relação à salvação pessoal e com a sombria possibilidade de ser achado em falta quando o próprio nome for passado em juízo. Todo adventista tem pleno conhecimento de que há uma séria ameaça à sua própria salvação e que suas escolhas podem alterar seu destino final, mas mesmo nesse caso, sempre poderá se conformar com o fato de que, se não alcançar o céu, muitos outros o alcançarão e viverão em contato constante com Jesus por toda a eternidade. A clara existência de um céu para os justos e de uma eternidade de paz é algo sublime mesmo para quem não imagina que estará lá.
Entretanto, e isso deve ter acontecido também com outros adventistas, jamais me passou pela cabeça que pudesse existir uma ameaça muito mais assustadora do que aquela que traz a possibilidade da perdição da própria alma. E é justamente disso que estamos aqui falando: a ameaça ao trono de Deus é A MAIOR DE TODAS AS AMEAÇAS, pois põe em risco não apenas a salvação individual, mas realmente TUDO O QUE EXISTE.
Como pode ser que o trono de Deus esteja ameaçado se o Grande Conflito já está plenamente solucionado? De fato, todas as frases do tipo "queira você ou não queira, Jesus vai voltar" costumam passar a mesma ideia de que o Grande Conflito já está resolvido e que o que veremos daqui em diante são apenas profecias protocolares. O modelo do Grande Conflito que levamos na mente é o de um Satanás já derrotado almejando apenas um final um pouco menos desastroso para si mesmo, no qual "tenta levar mais alguns com ele". Podemos dizer que esse é o Grande Conflito Calvinista, se é que tal coisa seja possível, em que Deus já tem tudo resolvido e a ação da igreja nenhuma diferença faz. É um Deus que não quer ou nem tem nada para provar. Infelizmente, de acordo com a revelação dada à Sra. White e a compreensão dos pioneiros adventistas, não é esse o Grande Conflito que está em curso.
UM MODELO DE GRANDE CONFLITO À LUZ DA CRISE IMINENTE
A mensagem da "Crise Iminente" e as reações que ela causou entre os pioneiros lançam enorme luz sobre a natureza do Grande Conflito entre Deus e Satanás e de fato tornam mais clara, e não mais obscura, a compreensão do tema. Proponho aqui, portanto, a montagem de um breve modelo para o Grande Conflito, considerando tanto a revelação inicial dada à Sra. White quanto a direção posterior que os pioneiros deram à mensagem por eles ouvida.
União Igreja-Estado e o decreto dominical
Todas as vezes em que a mensagem da "Crise Iminente" veio à tona, tanto na carta original quanto nas referências posteriores, o assunto em questão era a união entre Igreja e Estado e o cumprimento de todo o Apocalipse 13 se dando naquele exato momento. A mensagem de um trono de Deus em risco, ameaçado pela demora do povo de Deus, faz todo sentido nesse contexto, pois:
"Ela [a vinda do Senhor] não será retardada para além do tempo em que a mensagem for levada a todas as nações, línguas e povos." Evangelismo, p. 697
O cumprimento de Apocalipse 13 nos tempos da Irmã Ellen White era um chamado para a pregação do evangelho contido nas três mensagens angélicas, mas isso não quer dizer que uma coisa deveria necessariamente levar à outra, como se houvesse ali uma espécie de lei natural escatológica. O avançamento da união entre Igreja e Estado não precisava, assim como ainda hoje não precisa, necessariamente provocar o encerramento da obra missionária mundial. Costuma-se pensar que há uma espécie de relação causal e lógica entre os dois eventos, tal como ocorre com uma reação química. Tanto não é assim, que a paixão para o cerceamento da liberdade religiosa, na falta de um povo disposto a servir a Deus, simplesmente arrefeceu. Ainda hoje os adventistas guardam o sábado, ao menos na maioria dos países, inclusive nos EUA.
Por que isso aconteceu? Por que a liberdade religiosa foi preservada e mesmo aumentada em alguns períodos do século XX? A melhor resposta até agora parece ser: porque esses eventos não encontraram sua contrapartida necessária, a saber, um povo comprometido na pregação das mensagens angélicas. Um não pode avançar sem o outro, de modo que, quando um avança e o outro não, Deus precisa "segurar os ventos" dos acontecimentos. Toda a história da humanidade desde o final do século XIX até 2022 parece ser um enorme "segurar os ventos" da parte de Deus. Após a I Guerra Mundial, em especial nos anos 1920 e 1930, o catolicismo firmou grandes alianças com poderes políticos e militares, entre os quais Mussolini e Hitler, mas após o final da II Guerra Mundial novamente o mundo presenciou um surto de liberdade religiosa, o que é bastante marcado na figura de um presidente americano católico e laico como John Kennedy. Novas alianças político-religiosas conservadoras, entretanto, surgiram na década de 1980, mas até aqui ainda se vê relativa liberdade religiosa. A conclusão é: esses eventos sozinhos não podem ir muito longe. Um povo precisa pregar o evangelho e "fazer a distinção que é o objetivo expresso da mensagem do terceiro anjo fazer". Sem isso, os grandes eventos políticos precisam ser recorrentemente freados por Deus.
Aqui podemos entender porque não devemos alardear nenhum acontecimento geopolítico que pareça prenunciar o fim da liberdade religiosa: esse cenário já chegou a se completar e nem por isso a profecia de Apocalipse 14 se cumpriu e Jesus voltou. Estou com isso assumindo o comportamento das virgens loucas, que acreditavam estar seguras e foram pegas de surpresa? Ou estou aqui perigosamente assumindo a posição de que “meu Senhor tarda a voltar”? De modo algum. O que as sucessivas ondas de tentativas para acabar com a liberdade religiosa parecem nos dizer é que realmente Jesus virá como um ladrão à noite. Devemos estar bem alertas quando o cenário de Apocalipse 13 está totalmente desmontado, tanto quanto quando está plenamente construído. A velocidade com que um cenário geopolítico propício se desmonta ou se constrói é inimaginável, pois o controle dos “ventos” está, esse sim, nas firmes mãos de Deus. O resumo do professo povo de Deus nas últimas décadas parece ser esse: tomar para si as tarefas que cabem a Deus e delegar a Ele as obrigações que deveria assumir. Qual é o dever do adventista quando o cenário de Apocalipse 13 está montado? Apegar-se a Jesus, abandonar todos os pecados e anunciar ao mundo o evangelho eterno. E qual é o dever do adventista quando o cenário de Apocalipse 13 está todo desmontado? Apegar-se a Jesus, abandonar todos os pecados e anunciar ao mundo o evangelho eterno.
Por que Ele não pode trabalhar? Deus está pronto
Deus quer encerrar o estado de coisas nesse mundo. A insistência com que a história traz à tona o cumprimento de Apocalipse 13 é a maior prova disso. Ele prepara o cenário para a ação de Seu povo, que até aqui não O tem correspondido. Deus avança os acontecimentos proféticos até o ponto em que pode avançar, mas, para que a profecia seja levada ao seu pleno cumprimento, o povo de Deus precisa cumprir seu papel evangelizador. Uma vez isso feito, Deus retomaria o curso dos eventos finais e muito pouco tempo restaria até a volta de Cristo.
Deus não pode agir levantando por força 144 mil indivíduos selados e dispostos a dar a última mensagem de advertência ao mundo e também não pode pregar por Si mesmo as três mensagens angélicas (enviando anjos ou robôs, por exemplo). Por que? Porque em assim fazendo estaria reconhecendo que sua posição no Grande Conflito é insustentável. Se Deus fizesse por conta própria todo o trabalho, escolhendo 144 mil indivíduos por eleição incondicional ou enviando anjos para fazer aquilo que a igreja não fez, Satanás triunfaria em seu argumento de que a lei de Deus não pode ser guardada, pois, ainda que Jesus a tivesse guardado, Ele teria falhado em replicar o feito em um grupo representativo de seres humanos. A profecia de Apocalipse 14 teria sido um fracasso: não haveria 144 mil indivíduos dotados de liberdade moral redimidos da terra, selados por convicção da verdade, guardadores dos mandamentos de Deus e possuidores da fé de Jesus.
Se Deus, lançando mão de Sua onipotência, cumprisse por imposição a profecia de Apocalipse 14 e selasse indivíduos sem convicção da verdade, estaria reconhecendo que aquilo por que Ele lutou por tanto tempo, a saber, um modelo de governo pautado na liberdade e na obediência, não tem como funcionar. Sendo impossível aos seres criados viver em harmonia com as leis de Deus, mesmo após Jesus resgatá-los da insubordinação, não haveria mais a possibilidade de um universo livre. Nesse caso, Satanás teria triunfado em seu outro argumento: seu pecado nunca poderia ter sido evitado e, após cometido, nunca poderia ter sido redimido. Seria ele assim apenas vítima de uma criação mal planejada e de uma proposta de governo mal sucedida.
A cena muda completamente, entretanto, quando Deus tem a seu favor um grupo considerável de seres livres que, dotados de capacidade moral, escolhem o lado de Jesus e, convictos de que o governo de Deus é imensuravelmente superior, aderem ao único requisito para o triunfo desse governo: a obediência. Pelo exemplo de Cristo foram levados a entender que, embora sejam livres para praticar o mal, perderiam sua própria liberdade ao fazê-lo, pois o pecado é escravizador e destruidor. Nesse cenário, o plano da redenção chega ao seu clímax com a resolução do Grande Conflito. Portanto, antes que possa cumprir os acontecimentos descritos entre os capítulos 15 e 22 do Apocalipse, que dão fim a esse conflito cósmico, Deus precisa que Jesus e Seus 144 mil sigam adiante com o cumprimento de Apocalipse 14.
Se houver demora: por quanto tempo mais será possível ao Senhor esperar por este povo?
Por que a demora do povo de Deus está colocando Seu trono em risco? Por que existe um tempo além do qual Deus não poderia mais esperar pelo cumprimento da profecia de Apocalipse 14? No Grande Conflito, o tempo é uma variável importante. E é importante porque, embora para Deus um dia seja como mil anos, para Sua criação não é.
Imagine que um marido sai de casa dizendo à sua esposa que precisa comprar uma ferramenta e que logo retornará. A esposa seguirá normalmente suas atividades por cerca de uma hora. Na segunda hora, seguirá ainda com seus afazeres, mas começará a pensar que talvez o marido não tenha achado a ferramenta que precisava na loja mais próxima e que tenha ido procurá-la em outro lugar. Na terceira hora, instintivamente passará a desconfiar que o marido tenha aproveitado a viagem para resolver mais alguns outros assuntos. Com o almoço pronto, tentará se comunicar com ele. Não tendo êxito nisso, começará a preocupar-se. Se toda a tarde passar sem que o marido apareça, ela ficará muito apreensiva. Ao final da tarde, tentará vários meios para contatar o marido. Se chegar a noite e ela não tiver tido nenhum notícia do esposo, ela procurará a polícia. Amanhecendo o dia, ela terá total certeza de que algo muito ruim aconteceu, embora não saiba o que. Passada uma semana, ela estará tomada de completa angústia. Passado um mês, haverá apenas uma vaga esperança de que seu marido não esteja morto. Transcorrido um ano, ela estará em luto. Dez anos e ela já terá adaptado toda sua vida à solidão ou terá casado novamente...
A questão é: Deus prometeu aos seres criados a efetiva resolução do Grande Conflito. Prometeu a eles encerrar a angústia e desmascarar os sofismas de Satanás à luz dos fatos, em um cenário em que todos tenham entendido bem o que realmente ocorreu. Já é hora de que os adventistas, fascinados pelas respostas fáceis do Calvinismo, finalmente percebam que Deus não deseja simplesmente recorrer à Sua onipotência para restabelecer Sua criação. Se quisesse agir desse modo, já poderia tê-lo feito em qualquer momento do passado, antes de fazer de Si mesmo criatura, antes de criar a Terra, e antes de séculos e mais séculos de sofrimento. Deus de tal maneira preza pela consciência, inteligência e liberdade de Suas criaturas, que, a fim de preservá-las com esses atributos, arriscou Seu próprio trono e permitiu que Jesus passasse por tudo quanto passou nesse mundo. Não é esse um Deus firmemente decidido a não usar Sua própria onipotência?
Ora, se os seres criados, os quais estão espalhados por todo o universo, ainda são inteligentes e livres, pois Deus não abre mão de que sejam, não podem evitar de observar atônitos todo o desenrolar dos fatos, pois podem compreendê-los e raciocinar a respeito deles. Reconhecem o perigo do trono de Deus estar em risco e não podem deixar de sentir um frio na espinha, do mesmo modo que uma esposa sente um calafrio ao antever a possibilidade de seu marido não retornar. Se Deus possuísse a eternidade toda para provar seu ponto no Grande Conflito, Satanás não teria grande dificuldade em levantar argumentos sarcásticos sobre a viabilidade do governo de Deus, até mesmo ao ponto de afirmar que o Grande Conflito, sendo insolúvel, não é um estado passageiro do universo, mas sua condição natural, ou o modo como tudo sempre foi e sempre será. É simplesmente impossível dizer se Satanás já está começando a levantar esses argumentos sarcásticos, mas, uma vez que eles sejam proferidos em meio à perplexidade causada por um Grande Conflito que insiste em sobreviver, os efeitos podem ser catastróficos.
Sabemos que em 1844 Jesus foi autorizado por Deus a retornar, tão logo tivesse consigo os 144 mil ao seu lado. Em 1892, o trono de Deus já estava ameaçado, em razão da demora. Não podemos perder a esperança de que ainda haja tempo, mas também não podemos perder mais nenhum segundo. "Faça chuva ou faça sol, estamos um dia mais próximos da volta de Jesus" não é a melhor atitude nesse momento. A verdade é que podemos estar um dia mais próximos do comprometimento total do modelo de universo idealizado por Deus.
O perigo ao caráter e ao trono de Deus e um povo para socorrer o Senhor
Juntando as peças da mensagem da "Crise Iminente", chegamos a uma visão geral do Grande Conflito e às evidências que apontam para a realidade de um trono de Deus em perigo. Retomemos então: para a resolução do Grande Conflito, Deus preparou tudo ao longo da história, inclusive os vários cenários de cumprimento total ou parcial de Apocalipse 13 nós últimos 150 anos. Desde o início, era necessário que fosse concedido tempo a Satanás, a fim de que ele revelasse quem realmente é. Sua destruição prematura, sem a completa evidência da apostasia, teria sido mais danosa à criação do que deixá-lo operar por algum tempo. A completa e clara revelação do caráter de Satanás é uma pré-condição ao segundo advento de Cristo, como Paulo bem sabia ao alertar para que:
"Ninguém vos engane de maneira alguma, pois aquele dia não virá sem que primeiro venha a apostasia e que o homem do pecado seja revelado, o filho da perdição." II Tess 2:3
Esse tempo dado a Satanás para mostrar sua verdadeira natureza se encerrou em 1844. Desde então, como vimos, Deus tem trabalhado para criar as circunstâncias propícias para o povo de Deus dar ao mundo as três mensagens angélicas e apresentar assim o argumento decisivo para desmascarar Satanás. A persistente irresolução do Grande Conflito aponta para a dura verdade de que Deus ainda não possui um povo que possa chamar de Seu. A mera passagem do tempo, na época em que vivemos, é um argumento para Satanás. Assim está montado o cenário de ameaça ao trono de Deus.
"Deus atuará por aqueles dentre Seu povo que se submeterem à obra do Espírito Santo. Ele compromete Sua glória em favor do sucesso do Messias e de Seu reino." T9 138
Em um universo de seres inteligentes e livres, o qual Deus em sua sabedoria idealizou, o convencimento é o único meio possível para dissuadir o justo de pecar e o pecador de persistir no erro. Entretanto, o trabalho de convencimento, todos sabem bem, é muito mais ingrato que o da imposição, pois o convencimento é um apelo que oferece a possibilidade de rejeição. Ao prezar por um universo de seres livres, Deus concentrou todos os Seus esforços no Plano Redenção. Ele põe todo Seu amor e vigor na tarefa de constranger-nos a tomar Seu lado (2 Coríntios 5:14). Há em curso uma solene e poderosa tentativa de convencimento, que precisa colher seus frutos.
O sucesso do Messias está inevitavelmente ligado ao sucesso de Seu povo, pois se o Plano da Redenção é incapaz de dissuadir o pecador, fracassou enquanto o meio pensado por Deus para constranger Sua criação caída. Jesus fez expiação pelo universo todo. Se Sua obra não pode ser completada no coração do povo que leva Seu nome, tampouco pode o universo existir tal como ele é.
Assim, quando é o trono de Deus que está em risco, mesmo a ameaça à salvação pessoal se torna algo pequeno. Do mesmo modo, o perigo de que alguém tome meu lugar na obra evangelística também se torna completamente irrelevante, pois se Deus de fato sempre tivesse alguém para colocar no lugar de um desistente na fé, Seu trono estaria bastante seguro. A verdade é que Deus está tendo enormes dificuldades de encontrar um povo que possa chamar de Seu, que vá em Seu socorro contra os ataques de Satanás e que Lhe dê os argumentos necessários para o encerramento do Grande Conflito.
CONCLUSÃO
A mensagem da "Crise Iminente" e o modo com que ela foi compreendida pelos pioneiros adventistas é de fato bastante assustadora, pois envolve uma ideia à qual não estamos nem um pouco habituados. Não à toa, foi considerada "uma palavra terrível". No entanto, seria vão qualquer esforço para atenuar a dura realidade que ela traz, pois se Deus optou por revelá-la de um modo tão vívido à Sua profetisa e impressionar com tanta intensidade Sua Igreja, é porque foi necessário assim fazê-lo e porque podemos suportá-la sem desespero se estivermos com o olhar em Cristo. A pior das atitudes seria murmurar: "dura é essa palavra. Quem consegue ouvi-la?" João 6:60. Sempre será melhor viver à luz de uma verdade dura e assustadora do que nas trevas de uma mentira agradável. O Grande Conflito que se tem pregado, em que nada mais há para se fazer e na qual Cristo já tem ou terá por força Seus 144 mil, é uma mentira agradável.
E não é a verdade libertadora (João 8:32)? O leitor da "Crise Iminente" certamente verá ir-se de si qualquer resquício de triunfalismo, o que é bom, pois o triunfalismo destrói toda percepção de responsabilidade. É importante lembrar que sempre onde houver livre arbítrio haverá responsabilidade. A mensagem da Crise Iminente, além disso, traz mais valor ao céu. O que era apenas uma certa recompensa dos justos, de repente se torna a mais maravilhosa e improvável resolução de algo aparentemente insolúvel. O céu, enquanto sede do governo de Deus, de repente se revela diante de nós como a materialização de um sonho que quase não se podia mais sonhar e algo para realmente ser celebrado efusivamente dia e noite, por toda a eternidade, como a mais sublime vitória na qual poucos ousaram acreditar. O céu após a "Crise Iminente" é um céu bastante diferente daquele sobre o qual falamos vulgarmente nas nossas conversas de sábado à tarde. Ele possui muito mais cores e é um verdadeiro recomeço para as criaturas de Deus.
Um grande abraço a todos!
Lucas
Deus tenha misericórdia de nós! Mensagem tremenda! Que Deus nos ajude a nos apegarmos ao Seu poder e ser o povo que demonstrará ao universo que Deus é justo e que Sua lei pode ser obedecida.
Possa ser que a iminência de uma guerra nuclear e uma possível extinção da civilização humana, o advenismo atual, enfim, possa entender as palavras da profeta "Se houver atraso, o caráter de Deus e seu trono serão comprometidos. "
Que Deus nos ajude a despertar e entender nosso chamado.
Excelente texto! Acordem Laodiceanos!